pt

A Marcha

26-03-2022


A Marcha

Autor: Telmo Branco
"A Marcha" é um projecto migratório. É desenvolvido em colaboração com 8 participantes não profissionais das artes do espetáculo. As equipas são constituídas por pessoas da cidade/país onde o projecto é criado e realizado. O conceito é interseccional e apoia as histórias dos seus membros integrantes.


"A Marcha" é um conglomerado de corpos, de testamentos vivos. É uma performance activista que utiliza os espaços cénico-sociais do funeral, da marcha e do motim, para abordar o impacto que a opressão de género tem na autonomia e desenvolvimento dos corpos queer. 

A opressão de género é um processo que acontece dentro e fora do corpo queer, dentro e fora do território de personalidade de cada um. É um processo que restringe as expressões individuais e colectivas que não coincidem com a cultura heteronormativa e hegemónica dos opressores.
Sobre o corpo acumulam-se tensões. O policiamento de género, cria restrições comportamentais que aprisionam o corpo, na sua forma de estar em público. 

Dentro do corpo, cimentam-se o conflito, a vigilância, o medo, a luta, e o trauma. Crónicos, perpétuos, até encontrarem veículos de expressão através dos quais se possa cultivar a esperança e o sentido de valor e justiça.
As biografias queer são janelas para sociedades heteronormativas construídas através do terror e da tirania de género. 
Os corpos queer exaltam e expõem o pânico heteronormativo.

Ser queer não é só não ser heterosexual, mas também não reproduzir as formas de socializar e amar inerentes à heterosexualidade cis patriarcal.
Esta não reprodução, esta resistencia à opressão, origina muitas vezes escassez, afetiva e financeira, já que a maior parte dos espaços sociais mantêm -se leais aquilo que os oprime.

Através do corpo, da palavra e do ato revolucionário, "A Marcha" propõe-se a resgatar o corpo queer da escassez sistémica: do isolamento experiêncial, da estigmatização, da violência, da vergonha, da rejeição, e da falta de agência.

Questões de investigação

O que é a identidade de género? Quem define e/ou limita essa identidade?
O que significa ser queer?
Quais são os efeitos psicológicos a longo prazo da queerfobia sistémica?
De que forma(s) a marginalização sistémica afecta o sentido de identidade?
O que significa ocupar constantemente espaços que representam violência de género e o desaparecimento de identidades queer?
Em que espaços sociais é que as pessoas queer cultivam esperança?



Apresentação no Humboldt Forum, Berlim (entrevista DER SPIEGEL)

Contexto: A primeira edição de "A Marcha", foi apresentada no Stiftung Humboldt Forum, Berlim. "A Marcha" desenvolve-se em torno das narrativas do seus participantes e do contexto histórico do espaço que ocupam. No contexto do Humboldt Forum, um museu que tem em seu poder artefactos históricos e artísticos roubados das ex-colónias alemãs, "A Marcha" confrontou a opressão de género desde um ponto de vista colonial, navegando as diferenças nas experiências de opressão entre queer brancos e queer BIOPoC, os conceitos de racismo estrutural, supremacia branca, privilegio e responsabilidade.

Entrevista: "Enquanto pessoas LGBTIQ+, de uma coisa estamos certes: Um edifício como o Humboldt Forum não foi construído para nós, nem a nova construção, nem o antigo palácio Prussiano. Os indivíduos Queer e Trans (QT) foram e são excluídos de edifícios que reflectem a tradição colonialista e patriarcal. Não nos sentimos segures e desejades nestes espaços. Esta realidade reflecte-se também no facto de a grande maioria dos visitantes dentro do Humboldt Forum serem cis brancos, de classe média e heterossexuais. Gostaria de saber quantos indivíduos queer, não binários e trans trabalham no Fórum Humboldt. Ainda não conheci nenhum.

O nosso projecto "A Marcha", será realizado num formato de protesto, marcha e funeral. Ocuparemos e utilizaremos os diferentes espaços do edifício de forma reivindicativa e não-apologética, celebrando a nossa identidade e sepultando, simbolicamente, o patriarcado e as suas tradições opressoras.
Velamos o sofrimento que o colonialismo infligiu nos corpos e antepassados QTBIPOC, e a doutrina do género fatalmente imposta nos QT branques.

O nosso grupo compõe-se de Adrian Marie Blount, artista trans e não binário BIPOC, e Telmo Branco, artista branco queer e não-binário. Trabalhamos com 9 indivíduos QT, que partilham desejos e problemáticas semelhantes às nossas. É um processo de criação de seis semanas com ensaios públicos parciais, que será apresentado dia 26 de Março de 2022.

Certamente que existe sempre o perigo de tokenismo quando se envolve num projecto institucional como o Humboldt Fórum. No entanto, penso: porque não utilizar os recursos quando nos são (raramente) oferecidos? Isto é mais válido ainda, quando temos em consideração que estes recursos estão dificilmente disponíveis para pessoas queer e trans. O Humboldt Forum, enquanto espaço geográfico e esqueleto histórico, simboliza séculos de opressão e desaparecimento de experiências queer e trans. Uma instituição como o Humboldt Forum, que opera a partir do privilegio e supremacia brancos e que, ao mesmo tempo, abraça projetos artístico e sociais "descolonizadores", tem que encarar com seriedade a sua responsabilidade histórica, uma vez que a sua riqueza e privilégio provêm da marginalização de indivíduos BIPOC, QTBIPOC, e QT brancos. Utilizaremos estes recursos como um acto de descolonização, para criar espaços seguros para indivíduos QT, dando especial atenção às pessoas QT BIPOC e as suas narrativas". (Telmo Branco)



Apresentação de "A Marcha" no Humboldt Forum Berlin.

Conceito: Adrian Marie Blount (GodXXX Noirphiles), e Telmo Branco.
Criação e Coreografia: Telmo Branco (eli/elu)
Desenho de som: Adrian Marie Blount (eli/elu)

Participantes: Selma Radz (elu/delu)
Amanda Abergheim (ela/dela)
Nana (elu/delu)
Mandy lan (elu/delu)
Sasha Mata (elu/delu)
Bela Belissima (elu/delu)
ESRAordínaer * (elu/delu)
Stella Spoon (ela/dela)
Michelle Gutierrez (ela/dela)

Filmografia: Alicja Hoppel
Fotografia: Frank Sperling
Fotografia de Cartaz: Telmo Branco

Estreia: 26 de Março de 2022
"A Marcha" foi realizada no âmbito do projecto "Moving the Forum", comissariado por Jana Luthje. Contou com o apoio financeiro do Museu Stiftung Humboldt Forum.